Medicamentos fundamentais, como antibióticos, estão em falta em unidades das redes pública e privada do país. Levantamentos feitos por diferentes instituições confirmaram que uma grande parcela dos brasileiros vai a farmácia e não encontra o que precisa.
A pesquisa “Desabastecimento de Medicamentos” da CNM (Confederação Nacional dos Municípios), feita em agosto deste ano, aponta que 65% de 2.469 municípios sofrem com falta de medicamentos. Em São Paulo, o CRF-SP (Conselho Regional de Farmácia de São Paulo), mostram um desabastecimento crônico de 98% dos farmacêuticos entrevistados em agosto. Um levantamento do Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde), de outubro, traz 530 notificações de falta de medicamentos também na rede pública de farmácias de 57 cidades do estado de São Paulo.
Antibióticos como amoxicilina e azitromicina, e analgésicos como dipirona (para dor e febre) são os menos encontrados, junto com xaropes e antialérgicos. Os medicamentos são importantes para tratar doenças comuns, mas os antibióticos são usados na prevenção e combate de infecções que podem evoluir para quadros graves de saúde e, potencialmente, fatais — como pneumonia e meningite.
Embora o desabastecimento seja um problema global, agravado na pandemia e agudizado pela guerra na Ucrânia, especialistas revelam que o Brasil não precisaria estar nesta situação. Principalmente, porque antes da pandemia, o desabastecimento de medicamentos básicos já era crônico, segundo o secretário de Relações Internacionais da Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar), Ronald Ferreira dos Santos.
Conforme ele explicou ao Portal Vermelho, isto é um “reflexo do abandono do estado na garantia do direito da saúde, assim como do processo de desenvolvimento do país”. Ou seja, ele atribui ao crescente processo de desindustrialização do país a crise de abastecimento de insumos farmacêuticos.
“Não foi só a Ford e a Toyota que fecharam, mas inúmeras indústrias farmacêuticas, que fecharam suas plantas industriais, por falta de uma política, de incentivo e de uma perspectiva de que o medicamento é um produto diferenciado”, diz ele, salientando que, diferente de automóveis, medicamentos são produtos estratégicos para o país.
Mas Ronald acredita que este problema pode ser amenizado em breve, a partir dos compromissos assumidos pelo novo governo. Ele considera o lugar que a questão do Complexo Econômico Industrial da Saúde ocupou no programa de governo do presidente eleito, “pela capacidade, inteligência e história que o Brasil produziu nesta área”. Afinal, foi no governo de Lula que foi criada a Farmácia Popular, garantindo compras e abastecimento de medicamentos essenciais.
”Num curto espaço de tempo, pelo menos para a relação dos medicamentos essenciais, podemos ter um desfecho mais favorável à garantia do direito a saúde. Principalmente, se conseguirmos implementar os compromissos na área da Saúde, que o presidente Lula conseguiu sufragar nas urnas”, concluiu, otimista.
Questão de soberania
De acordo com Ronald, a pandemia mostrou que o medicamento está vinculado à questão da soberania e às demandas das necessidades do povo. “Na pandemia, se viu os países ricos centrais desperdiçando vacina, enquanto países da Africa sequer tinham acesso para seus profissionais de saúde”, criticou.
Agora, mesmo os países desenvolvidos sofrem desabastecimento. Ele lembrou que, mesmo sendo uma das principais produtoras de medicamentos, a Europa está mergulhada numa crise energética por conta da guerra, além do desabastecimento de insumos pela China e a Índia.
Tem solução
Mas o sindicalista insiste que, para além desses problemas conjunturais da guerra e da pandemia, existem os problemas estruturais brasileiros do “abandono da nossa capacidade de atender”. Por isso, ele considera que há possibilidade, sim, de garantir principalmente esses medicamentos estratégicos e essenciais, que não podem sofrer risco de desabastecimento.
“Agora que o Brasil voltou a ser um operador das relações internacionais num nível mais civilizado, fica mais fácil o Brasil encontrar solução para esse momento. O Brasil pode inclusive ajudar a encontrar soluções para um problema que é de todo o mundo”, aposta ele.
O Brasil já foi grande produtor e exportador de insumos farmacêuticos. A indústria farmacêutica do Brasil está entre as 10 maiores do mundo. Apesar disso, o país importa 90% da matéria-prima para a produção de medicamentos e vacinas.
Até a década de 1980, o Brasil produzia 50% dos insumos, com incentivo para que empresas produzissem um IFA (Insumo Farmacêutico Ativo). A partir do governo Fernando Collor, em 1990, houve a abertura de mercado e ficou muito difícil concorrer com os preços e tecnologia dos IFAs importados, com a indústria de insumos fechando.
Fonte: Vermelho