O ano em que os farmacêuticos mudaram a história da Farmácia
Era meados dos anos 80, que a história cunhou como a “década perdida”. Período marcado pelos paradoxos culturais e políticos. O Brasil experimentava a efervescência política e via crescer a mobilização popular pelo fim do regime militar e a campanha das “Diretas Já”. Era época de reorganizar e fazer renascer a democracia. E já não era sem tempo.
Mundo afora, as corporações avançavam no processo de exploração do mercado mundial em todos os setores. Na Farmácia, não foi diferente. A ofensiva dos laboratórios estrangeiros já havia consolidado o hábito da prescrição de medicamentos industrializados em detrimento aos manipulados nas farmácias nas décadas anteriores. A indústria farmacêutica, que já fazia uso da publicidade desde os primeiros anúncios em jornais e revistas no início século XIX, encontrava terreno fértil na televisão.
Através dela, as propagandas de medicamentos vendiam livremente suas receitas de saúde e ditavam comportamentos, reafirmando a cultura da automedicação. Crianças, adultos e idosos passaram a valer-se de fortificantes, comprimidos, estimulantes e outros ‘produtos’ que prometiam curar falta de apetite, desânimo, dores de cabeça e tantos outros males. Apenas em 1999, com a criação da ANVISA, é que a publicidade encontrou algum regramento para as peças sobre medicamentos.
Medicamentos eram vendidos na mercearia da esquina. Aliás, as próprias farmácias podiam vender toda a sorte de produtos. Assistência farmacêutica era um conceito desconhecido para o sistema de saúde e ainda mais distante para a população. O farmacêutico não tinha nem reconhecimento profissional, nem financeiro.
Em Santa Catarina, não havia sequer piso salarial para o farmacêutico. A remuneração do profissional era baseada no salário mínimo. A formação acadêmica era voltada para o trabalho nos laboratórios e não era incomum encontrar farmácias e drogarias sem farmacêutico.
As principais organizações da categoria organizadas à época eram apáticas diante deste quadro. Até que um grupo de estudantes de Farmácia resolveu reagir. Da luta no movimento estudantil por mudanças no sistema político e por melhorias na educação, o grupo decidiu reorganizar o Sindicato dos Farmacêuticos. Em assembleia, a maioria dos profissionais e estudantes de Farmácia deliberou pela retomada do SindFar, encerrando uma longa fase de imobilidade. “A reivindicação principal da época era liberdade. Nós queríamos ser livres pra decidir o nosso destino. O Conselho Regional de Farmácia era extremamente conservador, a Associação de Farmacêuticos não tinha força e o Sindicato dos Farmacêuticos estava sem ação e mal administrado. Restava-nos mudar esta situação”, relembra o farmacêutico Manoel Agostinho Vieira Filho, primeiro presidente eleito após a reconstrução.
30 anos depois deste episódio, há outro cenário para a profissão, e o SindFar fez acontecer parte das mudanças. Do piso salarial instituído para a categoria em Santa Catarina até a construção do regramento sanitário, a criação da Política Nacional de Assistência Farmacêutica e a aprovação da Lei Farmácia Estabelecimento de Saúde para todo o Brasil, muitas conquistas foram amadurecidas junto ao sindicato e transformaram a realidade.