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H1N1: Medo sustenta farmacêuticas, diz médico

Pneumologista alemão é autor da moção no Conselho da Europa que questiona se a OMS exagerou alarme da gripe A. Especialista em saúde pública e ex-deputado, Wolfgang Wodarg compara indústria farmacêutica à bélica.

O pneumologista alemão Wolfgang Wodarg vê um paralelo entre a indústria farmacêutica e a bélica: “Ambas vivem do medo”. Se em uma a ameaça terrorista infla orçamentos de defesa, na outra as pandemias fazem fluir o caixa.
Esse especialista em saúde pública e ex-deputado (de centro-esquerda) é o autor da moção no Conselho da Europa que questiona se a Organização Mundial da Saúde exagerou o alarme de pandemia na gripe A (H1N1) em prol da indústria.

Como líder do subcomitê de Saúde na Assembleia Parlamentar do Conselho, principal entidade de direitos humanos da Europa, Wodarg pediu investigações. Após seu mandato expirar, ele passou a bola ao inglês Paul Flynn, que relatará o inquérito e produzirá um relatório até junho. A seguir, trechos de sua entrevista à Folha por telefone, de Estrasburgo.

FOLHA – O que o sr. espera da investigação no Conselho da Europa?
WOLFGANG WODARG – Fazer algumas recomendações aos governos. O relator pediu mais provas científicas.

FOLHA – O tema será levado ao Parlamento Europeu?
WODARG – Há interesse, recebi alguns telefonemas e devo me encontrar com eurodeputados. Seria importante porque o Parlamento é responsável pelo instituto que aprova a venda de produtos farmacêuticos.

FOLHA – Assim haveria medidas com força de lei?
WODARG – Sim, mas por outro lado você tem a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa agora, com parlamentares nacionais enviados por seus países. Ou seja, já haverá discussões em vários países.

FOLHA – Quando o sr. achou que havia algo errado?
WODARG – Quando as notícias começaram a chegar do México (em março), comecei a ficar nervoso com o que estava sendo publicado na Alemanha. Em julho, disse no Parlamento que as pessoas não precisavam se vacinar. Mas era campanha eleitoral, quando tudo que um político diz é visto como algo para se promover. Depois de não ser reeleito, fiquei livre desse preconceito. Afinal, eram fatos, não política. E nas minhas últimas semanas no Conselho da Europa eu aproveitei e redigi a moção e pedi que Paul Flynn a levasse adiante. Eu insisto que o Conselho da Europa é uma instituição muito importante, embora muitos governos a negligenciem. Somos uma instituição vinculadora na Europa.

FOLHA – Os governos europeus, ao comprar vacinas, seguiram a orientação da OMS ou também teriam interesses?
WODARG – Muitos acham que os governos agiram para beneficiar suas indústrias (farmacêuticas), mas não vejo essa ligação direta. Trata-se das instituições nacionais de saúde, cujos cientistas sempre querem colaborar com a OMS e encontrar gente importante que lhes dê verba para pesquisa e, talvez, um bom emprego no futuro. A parceria público-privada é interessante para a carreira de muitos deles, e isso tem indevidamente influenciado as decisões de saúde pública.

FOLHA – A OMS alega que as parcerias são importantes no desenvolvimento de estratégias e análises. Há alternativa?
WODARG – O papel das parcerias público-privadas é uma questão-chave da política. A OMS é uma organização pública mundial de saúde, que fez um excelente trabalho por décadas, erradicou a varíola e, há dez anos, se abriu para a parceria público-privada com as grandes farmacêuticas. Essas empresas têm um orçamento enorme, podem comprar o trabalho dos institutos, pois patrocinam as pesquisas. Muitos cientistas, muitas carreiras dependem disso.

FOLHA – A Novartis acaba de anunciar lucro recorde.
WODARG – Vi os resultados das empresas de pesquisa farmacêutica na Alemanha. Elas tiveram um lucro médio menor apenas do que o da indústria militar. Há semelhanças entre as duas, não? Ambas vivem do risco e da ameaça às pessoas. Uma precisa do terrorismo, outra, da pandemia.

FOLHA – Como esses alertas afetam as pessoas?
WODARG – Acho que as pessoas já estão ignorando os alertas. Muitos não se vacinaram, e isso me deixa otimista.

FOLHA – E não há risco de o público ignorar uma ameaça real entre tantos alarmes?
WODARG – Sim, se você tem um alarme de pandemia por ano, ninguém mais liga. Você tem de ser seletivo. A definição anterior de pandemia era muito melhor, não nos levava a usá-la todos os anos. Agora qualquer gripe comum é uma pandemia.
A definição antiga dizia que tinha de ser uma doença disseminada, mas com alto índice de letalidade. A severidade era levada em conta. Agora isso foi excluído da definição. Pode ser só uma gripe leve, mas porque alguém viajou a um país e “exportou” a gripe já há alarme.

FOLHA – No passado não houve casos assim? Com a Sars (síndrome respiratória aguda grave, em 2003) ou a gripe aviária (2006)?
WODARG – Foi diferente. Na Sars, não tivemos vacinação, e a doença era muito letal.

LUCIANA COELHO
Folha de S.Paulo – 27/01/2010

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