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jul

Direito dos trabalhadores, previdência social, trabalho escravo, negociado sobre o legislado e terceirização

Por Lilian Carlota Rezende*

As leis existem para proporcionar o equilíbrio social, porque uma sociedade decidiu produzir riqueza mantendo a dignidade de seus cidadãos. Mas seria a criação legislativa um ato de suprema bondade de seus governantes? Não, o equilíbrio social é necessário para que não aconteça a barbárie. Na evolução da história já fomos bárbaros, e entendemos que esta forma de aglutinação, ao fim e ao cabo, não se mostra proveitosa para nenhum dos lados.

As leis trabalhistas e previdenciárias visam o equilíbrio social. Equilíbrio este que vem sendo atacado despudoradamente nas últimas décadas: busca do negociado sobre o legislado, terceirizações, trabalho escravo e outros.

O trabalho escravo provocado em sua grande maioria pelas condições degradantes do meio ambiente de trabalho, por se tratar um ser humano menos do que a um animal, deixando-o dormir no chão, em ambientes imundos, sem fornecimento de água e outros. Mesmo em Santa Catarina não é difícil encontrar grupos de trabalhadores que tomam água de "sanga", água cavada do chão. São mais de 50 resgates nos últimos 10 anos em SC. De trabalhadores tratados com menos que os próprios animais. Uma vergonha para Santa Catarina que precisa acordar para a realidade em seu Estado. Esta exploração desenfreada serviu para mostrar que este não é o caminho. A história tem demonstrado que, como sociedade, não nos tornamos mais fortes e mais ricos com estas práticas de exploração do trabalhador.

Nas últimas décadas o capitalismo buscou a redução de seus custos não pelo profissionalismo e aprimoramente de técnicas de produção, pelo uso consciente de recursos, pelo reaproveitamento de materiais e simplificação da produção. O que se verifica, pelos Auditores Fiscais do Trabalho que realizam fiscalizações diárias, e particularmente por mim, que sou Auditora há 22 anos e me aprimorei no estudo e enfrentamento da terceirização, é que o capitalismo tem buscado seu lucro apenas na exploração do trabalho humano, sendo a terceirização uma de suas principais caras.

A terceirização já se mostrou ser uma falácia. Não há milagres: o dinheiro economizado na contratação de empregados vem, na maioria dos casos, pela redução drástica das condições de segurança e saúde de seus empregados. A matemática é simples: eu, grande patrão, subcontrato uma empresa, não remunero o suficiente (porque quero economizar), minha prestadora deixará de ter um ambiente de trabalho digno e seguro, de fornecer equipamentos de proteção, de contratar profissionais para me orientar sobre formas de redução de acidentes. O resultado? Acidentes do trabalho. O Brasil é o 4º país no mundo em acidentes do trabalho, mais de 750 mil por ano segundo dados oficiais do governo brasileiro, mais de 1,5 milhão segundo dados da OIT, este sim considerando não apenas acidentes formalizados em CATs, mas os muitos acidentes de empregados que sequer tem seu contrato de trabalho formalizado, sua CTPS assinada. E quem paga a conta deste descalabro? O governo! Nós! Os trabalhadores que são formalizados e suas famílias passarão a depender da previdência social, e os não formalizados da assistência social de seus municípios.

Sim! A Previdência Social! Num momento em que se fala nos imensos custos da Previdência Social, na necessidade de se aumentar a idade para aposentadoria, fazemos vistas cegas ao custo dos acidentes de trabalho à Previdência e aos Governos Federal, Estadual e Municipal. E o governo é conivente com isto, ou mais, é instigador disto! O governo cria leis que favorecem que pequenas empresas paguem contribuições previdenciárias muito menores do que as grandes empresas, em valores cerca de 30% a menos. Na prática uma construtora de 1.000 empregados vai criar 100 terceiras de 10 empregados. E esta terceirização irregular vai impreterivelmente, em 100 % das fiscalizações, mostrar que vai precarizar as condições de trabalho.

Se o governo sabe que as grandes empresas tem se travestido em pequenas empresas para pagar menos impostos, se o custo social disto é imenso, então por que não repensar sua forma de tributação previdenciária de pequenas, médias e grandes empresas? O que a Previdência tem perdido nas últimas décadas por estas pulverizações de grandes empresas em pequenas é imensurável!

A forma de tributação deve estimular a primarização e a responsabilidade social do real empregador. O debate da previdência é importante, mas ele é muito mais profundo do que apenas a idade para aposentadoria e o valor de contribuição. O debate da previdência deve passar pela análise dos acidentes de trabalho e pela forma de tributação previdenciária que estimula a fragmentação de empresas em terceirizações irregulares. E o Brasil não pode mais negar estes fatos, o Brasil já passou da hora de acordar para esta realidade.

O Sinait (Sindicato Nacional de Auditores Fiscais do Trabalho) e os Auditores-Fiscais do Trabalho de todo o Brasil denunciam a necessidade de um amplo e profundo debate do assunto, no qual espera ser ouvido como parte conhecedora da realidade do assunto.

 

* Lilian Carlota Rezende é auditora-Fiscal do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego. Este artigo é baseado no discurso proferido durante audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado na na Assembleia Legislativa de Santa Catarina

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