Comissão de Saúde vai chamar classe patronal para debater saúde dos trabalhadores
A classe patronal deve ser convidada pela Assembleia Legislativa para aprofundar o debate sobre saúde dos trabalhadores de Santa Catarina. O encaminhamento foi o resultado de audiência pública sobre o Dia Mundial em Memória das Vítimas de Acidentes e Doenças do Trabalho, na manhã desta quarta-feira (27).
Presidente da Comissão de Saúde, que promoveu o encontro, o deputado Neodi Saretta (PT), afirmou que a “angústia do setor, sobre falta de estrutura, a precarização das condições de trabalho, o ataque brutal que se faz contra os direitos dos trabalhadores” foi consenso entre os participantes. “O Brasil lamentavelmente é um país que está praticamente na liderança mundial de acidentes. Santa Catarina é considerado avançado, mas o número de ocorrências também é elevadíssimo. Precisamos de mais ações efetivas”, avaliou. De acordo com ele, é preciso buscar a interlocução com a classe empresarial para debater criação de normas e o atendimento das regulamentações já existentes. “O tema deve estar em todas as mesas de negociação, com governo, classe patronal e trabalhadores. A audiência não é terminativa, terá mais desdobramento”, garantiu o parlamentar.
Saretta citou dados que apontam 423 mil ocorrências registradas só em 2021. “Mas muitos casos não são registrados. Em Santa Catarina, no mesmo ano, teve um aumento de 35% das notificações, um número lamentável. Chama a atenção também crescimento de 22% na área da saúde, muito relacionado à pandemia, o pessoal que estava na linha de frente. Os dados são expressivos, e dão um alerta sobre a situação”, comentou.
Representando a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB/SC), Ronald dos Santos, destacou a realização da Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), no último dia 7 de abril. “Um dos anúncios foi a estruturação de um Fórum de Saúde das Centrais Sindicais para fazer a batalha principal do nosso tempo. É a vida sendo banalizada no mundo. A vida como algo que não tem significado”, informou.
De modo virtual, direto de Brasília, o deputado federal Pedro Uczai (PT), destacou que se trata de um tema “estratégico e fundamental no momento contemporâneo”. Na visão dele, é resultado das transformações que estão ocorrendo no mundo do trabalho. “Foi dito que, com as novas tecnologias, mudanças e flexibilizações de leis iria se mudar a vida dos trabalhadores para melhor. Mas acho que está muito claro tem aumentado e não diminuído a desumanização, o sofrimento, a mutilação física, mental dos trabalhadores. Há inclusive debate emergindo no mundo acadêmico e sindical apontando que o neoliberalismo vai produzindo muito sofrimento. Depressão, ansiedade, tristeza, medo, além das formas de mutilação física que acontecem”, relatou.
Regina Dal Castel Pinheiro, gerente de Saúde do Trabalhador da Secretaria de Estado da Saúde, citou que amanhã, dia 28, é a data alusiva ao Dia Mundial em memória às vítimas de Acidentes do Trabalho. “Mas não é para comemoração, mas uma data de alerta, de informação e provocação para a triste realidade em que vivemos no Brasil, onde é crescente o número de acidentes e doenças do trabalho”, ressaltou. Ela fez uma apresentação de ações que a Secretaria vem fazendo por meio da Diretoria de Vigilância Sanitária, para tentar “mudar essa realidade.”
Segundo ela, a principal fonte de informação sobre morbidade é a comunicação de acidentes de trabalho (CAT), sendo que Santa Catarina é o sexto estado no ranking de notificação por essa modalidade. “Só se consegue contabilizar 50% dos acidentes, pois ficam de fora autônomos e servidores públicos. Entre os 50 municípios com maior número de notificações no Brasil, entre 2012 a 2020, estão Joinville em 14º (42.909), Florianópolis em 28º (24.297) e Blumenau na 49ª (15.980). O estado teve 353.449 notificações de acidentes e 1.219 mortes no período. Só em 2020, o Brasil teve 446,9 mil acidentes, sendo 28,5 mil em Santa Catarina”, contou.
Regina citou ainda que há Centro de Referência em Saúde do Trabalhador estadual e cinco regionais, de gestão municipal, (Blumenau, Joinville, Chapecó, Lages e Criciúma) e um regional de gestão estadual (Florianópolis). “O Ministério da Saúde tem um indicador percentual dos centros regionais e municipais. A meta do Estado é alcançar 60% do nível satisfatório até 2023. Até o segundo quadrimestre de 2021, já alcançaram a meta Chapecó, Joinville e Lages. Temos a convicção de que as demais estejam satisfatórias em breve”, garantiu.
Bruno Martins Mano Teixeira, procurador do Trabalho e coordenador geral do Fórum de Saúde e Segurança do Trabalhador em Santa Catarina, lamentou que os acidentes de trabalho ainda sejam “um grande flagelo”, pois o números vêm crescendo anualmente. Segundo ele, em 2021 o Estado já teve 30% a mais de casos. “Isso só evidencia que medidas de proteção estabelecidas em lei e normas técnicas não estão sendo observadas. E no Brasil as normas são mais rígidas do que vários países da Europa e América do Norte”, apontou.
Altamiro Perdoná, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria da Construção e do Mobiliário (Contricon), comentou que, com “o sucateamento do Ministério do Trabalho e a reforma trabalhista imposta pelo governo Michel Temer”, as coisas dificultaram muito mais. “Temos a classe empresarial que respeita as normas regulamentadoras, os materiais de segurança, mas temos muito empresário que deseja distância do movimento sindical, das normas”, lamentou.
Para Isaías Viana Otaviano, da Nova Central Sindical dos Trabalhadores, segurança do trabalho é tema que não tem preço. “Quando o Ministério deixa de fiscalizar, certamente precariza o trabalho e o trabalhador. O Brasil é o segundo lugar no G-20, atrás só do Canadá, em número de acidentes de trabalho. Tem que fazer alguma coisa. Toda vez que um sofre acidente, sofrem a família, a sociedade e quem trabalha com ele”, argumentou.
Edinaldo Pedro Antonio, da Federação dos Trabalhadores da Indústria do Estado de Santa Catarina (FETIESC), avaliou ser de fundamental importância o debate da saúde dos trabalhadores. “Se gasta tanto no governo do Estado com políticas de publicidade e a gente ver ser deixado de lado um tema como esse. Em 2015, trabalho tripartite com sociedade civil, governo do Estado e empresários, e construiu agenda de trabalho decente. E os investimentos são feitos para produtividade e não vê o tema do trabalhador em foco. O número de pessoas atendidas, segundo o governo do Estado é grande, mas é muito pouco. Só a Fetiesc representa mais de 300 mil trabalhadores no Estado. É alarmante o número de acidentes ocorridos na indústria. Queremos cobrar daquele que não faz, não quem investe”, afirmou.
Nicolau de Almeida Neto, assessor de mobilização e representante da Central dos Sindicatos Brasileiros de Santa Catarina (CSB/SC), reclamou que a entidade solicitou para todas as prefeituras do Estado que enviassem os planos de saúde com alguma referência em saúde ao trabalhador. Mas só vieram respostas dos municípios que são sedes do Centro de Referência do Trabalhador, todos obrigados a fazer algo sobre o tema para responder ao governo federal e receber verba.
Luiz de Bittencourte, secretário da Saúde da Força Sindical de Santa Catarina (FSST/SC), disse que, quem fez a reforma trabalhista pensa que acabou com todo o poder sindical. “Mas estamos aqui, os sindicalistas que sempre vestiram a camisa do trabalhador nunca desistiram. Queremos liberdade para trabalhar e oportunidade para colocar nesse país um controle social”, assegurou.
Anna Julia Rodrigues, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT/SC), criticou o fato de que, na visão dela, desde 2016 vêm sendo destruídos os direitos dos trabalhadores. “No setor das agroindústrias as pessoas trabalham adoecidas, pois vem acontecendo a destruição das normas reguladoras”, citou. Ela lembrou ainda das sequelas da COVID. “O tratamento é pago pelo trabalhador. O que o governo do Estado destina para eles dos 12% obrigatórios para a saúde? Temos que cobrar dos que se dizem representantes do povo”, disse.
Marcia Regert, secretária de Saúde e Segurança do Trabalho da Nova Central de Trabalhadores de Santa Catarina (NCST/SC), defendeu que não dá apenas para falar sobre o que já aconteceu. Para ela, é necessário falar também da importância da prevenção de acidentes e assim “diminuir esse número alarmante de ocorrências.”
Cosmo Palácio de Moraes Júnior, professor e autor de vários livros sobre a área de segurança do trabalho, citou algo que considera como a “dificuldade de integrar a questão da insegurança do trabalho” com a visão pessoal de cada um. “A sociedade está apática. A importância da data [28 e abril] é trazer foco para a questão da segurança e saúde do trabalhador, algo que vem sendo deixado de lado no Brasil. Precisa ser marco de reflexão. Para manter certo grau de saúde mental, boa parte das pessoas começa ver as coisas que acontecem como algo normal. Temos no Brasil 12 mil mortes por acidentes de trânsito, 42 mil por violência urbana, e imagine no ambiente de trabalho. Existe uma cultura sobre morrer no trabalho faz parte da normalidade. Isso é uma loucura, essa letargia causa grandes problemas”, comentou. De acordo com o professor, dados mais atuais mostram que no mundo há 402 milhões de pessoas sofrendo lesões ocupacionais por ano. “A cada ano cerca de 2,9 milhões morrem no trabalho, sendo 81% delas por causa de doenças ocupacionais. Não temos no Brasil estatísticas reais. Não conhecendo o que temos, não se consegue trabalhar com eficiência para resolver”, concluiu.
AGÊNCIA AL