Ronald dos Santos: Esperamos que o STF respeite a ciência e suspenda a cloroquina para covid-19
Terminou nessa quarta-feira, 08/07, o prazo para o ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, enviar ao ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), informações sobre o uso da cloroquina e hidroxicloroquina em pacientes com covid-19.
Assita ao vídeo: https://youtu.be/derKZYMlq5U
Em 20 de maio, o Ministério da Saúde divulgou o documento Orientações do Ministério da Saúde para Manuseio Medicamentoso Precoce de Pacientes com Diagnóstico da Covid-19, recomendando a administração precoce de cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento do novo coronavírus.
Os estudos científicos, porém, demonstram que não trazem nenhum benefício para pacientes com covid-19 em qualquer fase da doença e ainda podem causar sérios efeitos colaterais.
Tanto que a Organização Mundial de Saúde (OMS) suspendeu em definitivo as pesquisas que estavam em andamento com os dois medicamentos.
Diante desse quadro, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde (CNTS) e a Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar) ajuizaram no STF a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental número 707 (ADPF 707), contestando a recomendação do Ministério da Saúde para uso da cloroquina e hidroxicoroquina para covid-19.
As duas entidades pediram que o governo seja impedido de tomar decisões “que contrariem as orientações científicas, técnicas e sanitárias das autoridades nacionais e internacionais”.
O ministro Celso de Mello é o relator da ADPF 707.
Em decisão de 2 de julho, ele solicitou ao Ministério da Saúde informações sobre o protocolo.
Deu cinco dias para o órgão apresentar as evidências científicas das recomendações.
Além disso, excluiu da ADPF uma das autoras, a Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar).
Explicou que apenas as confederações sindicais têm prerrogativa legal de acionar o STF.
Ronald Santos é o presidente da Fenafar.
No vídeo acima, ele deixa clara a posição dos farmacêuticos nacionais sobre a cloroquina e à hidroxiclorina, assim como em relação ao lombrigueiro ivermectina, que é nova onda de tratamento contra a covid-19.
“A decisão do ministro Celso de Mello reforçou a importância de se buscar todos os recursos na defesa da vida”, expõe Ronald Santos.
“Não podemos assistir ao governo adotar protocolos de tratamento com base em ideologia e disputa política”, salienta.
“Daí, a nossa expectativa de que o Supremo respeite a ciência e a medicina baseada em evidências e suspenda o protocolo da cloroquina e da hidroxicloroquina”, defende.
“Afinal, defender e respeitar a vida é a missão da Ciência e também da Justiça”, observa Ronald.
A Fenafar coordena a Comissão Intersetorial de Ciência e Tecnologia e Assistência Farmacêutica do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
Através dessa comissão, o CNS aprovou recomendação Nº 042, de 22 de maio de 2020.
Abaixo, na íntegra.
RECOMENDAÇÃO Nº 042, DE 22 DE MAIO DE 2020.
Recomenda a suspensão imediata das Orientações do Ministério da Saúde para manuseio medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico da COVID-19, como ação de enfrentamento relacionada à pandemia do novo coronavírus.
O Conselho Nacional de Saúde, no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pela Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990; pela Lei no 8.142, de 28 de dezembro de 1990; pela Lei Complementar no 141, de 13 de janeiro de 2012; pelo Decreto no 5.839, de 11 de julho de 2006, e cumprindo as disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/1988) e da legislação brasileira correlata;
Considerando a divulgação das Orientações do Ministério da Saúde para manuseio medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico da COVID-19, orientando o uso de cloroquina e hidroxicloroquina associados a outros medicamentos para pacientes em sintomas leves de COVID-19, e que até o momento não existem evidências científicas robustas que possibilitem a indicação de terapia farmacológica específica, conforme afirmado na próprias orientações do Ministério da Saúde;
Considerando que o momento excepcional provocado pela pandemia desencadeada pelo vírus SARS-Cov-2, COVID-19, não pode significar que a racionalidade deva ser abandonada nem que a população deva ser exposta a condições de maior vulnerabilidade;
Considerando a publicação das orientações do Ministério da Saúde, que não se baseia em evidências científicas, relaciona referências de estudos já criticados pela comunidade científica e não cita estudos e artigos atuais;
Considerando o descumprimento da legislação do SUS, em razão da ausência de alteração do registro da cloroquina/hidroxicloroquina junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no que diz respeito ao uso off label desses medicamentos (Lei nº 6.360/1976 e a lei nº 8.080/1990) e também da ausência de evidências científicas necessárias ao embasamento da adoção de medidas de combate ao novo coronavírus (Lei nº 13.979/2020);
Considerando que não foi observado o processo determinado pela Lei nº 8.080/1990 no que tange à necessidade de análise e elaboração de diretrizes terapêuticas pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC);
Considerando a necessidade inequívoca de evidência científica até mesmo para o uso compassivo (por compaixão) de qualquer medicamento, conforme previsto na Resolução RDC 38/2013 da Anvisa;
Considerando que todas as informações relativas à pandemia ainda são preliminares, tendo em vista que a doença causada pelo vírus SARS-Cov-2, COVID-19, impõe uma série de novas e complexas situações que, por isso, geram lacunas de informação e conhecimento relativos a taxas de letalidade, potencial de transmissão, tratamento, existência de outros efeitos ou sequelas no organismo dos que foram infectados, entre outros;
Considerando que até esse momento, os resultados têm demonstrado que a cloroquina e a hidroxicloroquina podem não ter eficácia para o tratamento de pacientes com COVID-19, incluindo pacientes com sintomas leves;
Considerando que a adoção da cloroquina/hidroxicloroquina é uma decisão política tomada por não especialistas em saúde e que, segundo dados do próprio Ministério da Saúde, as hospitalizações de pretos e pardos com síndrome respiratória aguda grave representam 23,1% do total, mas as mortes dessas parcelas da população somam 32,8%, o que reforça os processos de extermínio promovidos pelo Estado brasileiro contra a população negra e outros grupos vulnerabilizados, como indígenas, ciganos, quilombolas, moradores de favelas, bairros periféricos, terreiros, assentamentos, populações do campo, em situação de rua etc.;
Considerando a importância e o papel da ciência e da tecnologia estratégicos para a busca de soluções para a prevenção e tratamento da COVID-19, bem como as conclusões já publicadas em revistas científicas, como a The New England Journal of Medicine, JAMA, The BMJ 1 e The BMJ 2, que tem demonstrado apenas efeitos indesejáveis do uso desses medicamentos, incluindo problemas cardíacos;
Considerando que o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH) divulgou, no dia 21 de abril deste ano, documento contendo uma série de recomendações contra o uso da cloroquina, em especial, a hidroxicloroquina, associada a azitromicina, no combate à COVID-19, tendo em vista por um lado, os severos efeitos colaterais dos compostos, com episódios de arritmia cardíaca e até envenenamento e, por outro, a insuficiência de resultados clínicos suficientes para fazerem do medicamento utilizado contra a malária, lúpus e artrite reumatoide uma boa alternativa no tratamento da doença provocada pelo novo coronavírus;
Considerando as diretrizes de entidades médicas, como a Sociedade Brasileira de Infectologia, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e Associação de Medicina Intensiva Brasileira, que já emitiram um comunicado no dia 18 de maio contraindicando a cloroquina e a hidroxicloroquina (e outros remédios experimentais) em qualquer estágio da COVID-19;
Considerando que a necessidade de avaliação dos pacientes através de anamnese, exame físico e exames complementares nos equipamentos de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), trará um grande impacto à atenção primária e de média complexidade, ao qual o sistema não está adaptado para regular neste presente momento; e
Considerando as atribuições conferidas ao presidente do Conselho Nacional de Saúde pela Resolução CNS nº 407, de 12 de setembro de 2008, Art. 13, Inciso VI, que lhe possibilita decidir, ad referendum, acerca de assuntos emergenciais, quando houver impossibilidade de consulta ao Plenário, submetendo o seu ato à deliberação do Pleno em reunião subsequente.
Recomenda ad referendum do Pleno do Conselho Nacional de Saúde
Ao Ministério da Saúde:
1. Que suspenda as Orientações para manuseio medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico da COVID-19, publicadas em 20 de maio de 2020, autorizando uso de cloroquina/hidroxicloroquina para tratar sintomas leves da COVID-19;
2. Que não libere uso de qualquer medicamento como preventivo ou para tratamento da COVID-19 pela ausência de confirmações de uso seguro aos usuários; e
3. Que, assessorando o governo federal, desempenhe seu papel na defesa da ciência e a redução da dependência de equipamentos e insumos, construindo uma ampla e robusta produção nacional.
Ao Ministério Público Federal:
Que, em razão do descumprimento da legislação do SUS e dos riscos à saúde da população brasileira, representados pela utilização da cloroquina e da hidroxicloroquina no contexto da pandemia pelo novo coronavírus, tome as devidas providências para que as orientações para manuseio medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico da COVID-19, publicadas pelo Ministério da Saúde, sejam suspensas.
FERNANDO ZASSO PIGATTO
Presidente do Conselho Nacional de Saúde
Fonte: VIOMUNDO