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Saúde teve mais empregos, mas salários mais baixos e mais horas trabalhadas

No período de 1998 a 2008 o setor saúde teve forte expansão ocupacional. Segundo pesquisa do Dieese, “o número de ocupados em serviços de saúde cresceu 44,4% no conjunto das regiões pesquisadas pelo Sistema PED, com a incorporação de 244 mil trabalhadores”. O primeiro boletim de uma série sobre O Trabalho na Saúde busca “analisar os efeitos deste processo no volume de ocupações geradas, na extensão das jornadas praticadas e nos rendimentos dos trabalhadores”. A pesquisa revela, contudo, que houve redução nos salários e aumento das horas trabalhadas. A seguir, um resumo da pesquisa. A íntegra do estudo está disponível no site da Confederação – www.cnts.org.br – no item Documentos.

Há apenas 20 anos a sociedade brasileira reconheceu a saúde como “direito de todos e dever do Estado”, dando o primeiro passo para a construção do Sistema Único de Saúde. Este movimento regido pelos princípios da universalização, equidade e controle social acabou por se constituir, em conjunto com a extensão da previdência aos trabalhadores rurais, em um dos pilares da inclusão no período democrático recente do país.

Todavia, a nova forma de atuação da esfera pública para a atenção à saúde encontrou uma organização privada de grande magnitude, estabelecida e operando livre de regulamentação, por pelo menos 40 anos, neste ramo de atividade. Disto resultou a conformação do sistema de saúde do país, uma estrutura na qual convivem um sistema público, orientado por pressões sociais sobre orçamentos de municípios, unidades federativas e união, e um mercado privado, ambos em expansão.

Saúde registra forte expansão ocupacional em dez anos – Nos últimos 10 anos, o número de ocupados em serviços de saúde cresceu expressivamente (44,4%) no conjunto das regiões pesquisadas pelo Sistema PED. Com a incorporação de 244 mil trabalhadores, entre 1998 e 2008, o contingente deste ramo do setor serviços ampliou para 793 mil trabalhadores. Outros setores da economia também registraram expansão ocupacional no período, embora com intensidades mais modestas: no comércio, o crescimento foi de 28,0%; na indústria, de 27,4%; e na construção civil de 26,0%. O crescimento acentuado do setor serviços (40,0%), por sua vez, foi influenciado pelo desempenho da ocupação na área da saúde.

Na maioria das áreas pesquisadas, a incorporação de trabalhadores no ramo da saúde excedeu à elevação média do conjunto dos serviços, exceção feita apenas à Região Metropolitana de São Paulo. O desempenho positivo da saúde assumiu diferentes magnitudes nas regiões e sub-períodos pesquisados. Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, na qual o número de ocupados na saúde cresceu 75,7% nos últimos dez anos, esse incremento foi mais intenso entre 1998-2003 (35,7%) do que o observado entre 2003-2008 (29,5%). Nas demais, o comportamento ascendente da ocupação se concentrou no último período analisado, acompanhando a tendência geral de recuperação do mercado de trabalho urbano. Em Salvador – que registrou a segunda maior expansão – o crescimento ocupacional foi de 71,7%, com a incorporação de 33 mil trabalhadores ao segmento. Nas regiões metropolitanas de São Paulo e Recife as variações foram menos acentuadas e resultaram no aumento do contingente de trabalhadores da saúde em 91 mil e 4 mil pessoas, respectivamente.

Entre as diversas formas de inserção no mercado de trabalho, os postos gerados pela saúde são majoritariamente assalariados, forma de inserção que absorve mais do que 80,0% dos trabalhadores do ramo. Esta predominância do emprego assalariado, em larga medida, é explicada pela associação entre o montante de recursos envolvidos e a complexidade das ações de atenção à saúde. O segmento reúne grandes organizações intensivas em mão de obra que atuam frequentemente articuladas com pequenos empreendimentos e profissionais que se auto-ocupam (médicos, psicólogos, nutricionistas etc.) em consultórios ou clínicas. Estes aspectos também se manifestam na intensa formalização das relações de trabalho, seja porque no setor privado sobressaem os vínculos de trabalho registrados em carteira, seja por ser forte a presença do setor público no segmento.

Por região metropolitana, a do Recife se destaca ao apresentar o maior número de trabalhadores assalariados na área da saúde na rede pública (44,5%). Inversamente, Salvador (26,7%) e São Paulo (31,8%) são as regiões que registram menor proporção de ocupados na esfera pública. No segmento privado, o assalariamento sem carteira assinada apenas apresentou relevância nas Regiões Metropolitanas de São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre, onde este contingente, em 2008, ficou respectivamente em 43 mil, 8 mil e 6 mil.

Em todas as regiões ocorreu ampliação da abrangência ocupacional do setor privado na contratação do trabalho na saúde. Esta tendência foi mais expressiva em Salvador, cuja participação aumentou de 48,9% para 64,6%, e no Distrito Federal, que passou de 33,3% para 47,7%. É importante destacar a presença do segmento outros, que agrega profissionais que se auto-ocupam na saúde, quer exercendo profissões de modo liberal – como médicos, fisioterapeutas, psicólogos etc, em seus consultórios – quer como autônomos. Em 2008, em Belo Horizonte e Porto Alegre, eles contabilizavam 15 mil ocupados em cada região, e em São Paulo eram estimados em 49 mil trabalhadores. Ao longo do período analisado verifica-se que tanto em Belo Horizonte quanto em Porto Alegre houve aumento deste número, inversamente, em São Paulo, ocorreu retração (-9 mil).

Rendimentos caem e jornadas de trabalho crescem – O crescimento observado no contingente ocupado na saúde não se refletiu na valorização desses trabalhadores, que, ao contrário, viram suas remunerações reduzirem-se na última década. Na comparação dos rendimentos médios reais pagos por hora aos ocupados do ramo em 2008, com aqueles auferidos em 1998, isto fica evidenciado na acentuada redução observada em praticamente todas as regiões pesquisadas, com destaque para os decréscimos ocorridos na Região Metropolitana de São Paulo (-32,9%), de Recife (-25,0%) e de Salvador (-21,3%). Em oposição, a Região Metropolitana de Belo Horizonte foi a única a registrar variação positiva do rendimento real dos ocupados na saúde (1,2%).

Essa retração acentuou a disparidade regional entre os patamares das remunerações pagas por hora na saúde nas metrópoles pesquisadas pelo Sistema PED, que ficaram entre R$ 14,14, no Distrito Federal, e R$ 6,03, em Recife, no último ano analisado. Na maioria das regiões, a queda dos rendimentos na saúde reflete a retração dos salários em estabelecimentos privados que registraram reduções entre 32,0%, em São Paulo, e 4,5%, em Recife. Na esfera pública da saúde, houve queda do rendimento hora apenas em duas regiões: em Recife (-23,3%), recuo bem mais intenso do que o observado para os assalariados da esfera privada, e em Belo Horizonte (-3,4%), onde ocorreu elevação de 10,2% no salário-hora dos trabalhadores em estabelecimentos de saúde privada.

Estas trajetórias provocaram alterações significativas na relação entre os salários dos empregados na saúde pública e na saúde privada. Essas mudanças foram drásticas em São Paulo, onde os assalariados da esfera privada mantinham ganhos ligeiramente superiores aos da rede pública no início do período analisado, passando esta proporção a corresponder a 68,6%, em 2008. Também houve ampliação desses diferenciais em Porto Alegre, onde os rendimentos dos empregados na saúde privada passaram a equivaler a pouco mais da metade dos auferidos no segmento público (56,2%). No Distrito Federal esta diferença se acentuou ao ponto de os empregados da esfera privada receberem menos de um terço dos salários reais pagos pela esfera pública (30,5%) no ano passado. Tal dispersão diminuiu apenas em Belo Horizonte e em Recife, contudo, baseadas na redução dos salários praticados na rede pública.

Os salários médios reais mais elevados da rede pública da saúde e suas jornadas, recorrentemente menores, determinam esta desigualdade, que por certo oculta os diferenciais de remuneração entre os empregados de cada uma das esferas pública e privada do ramo. Para cada grupo desses assalariados a dispersão de rendimentos reflete estratégias de composição da força de trabalho.

Existem diferenças entre o número de trabalhadores envolvidos nas atividades de apoio e típicas de saúde por estabelecimento e nos estímulos e possibilidades de construção de carreiras, além da focalização em ações de atendimento de média e alta complexidade e/ou de atenção básica a usuários em postos, consultórios ou clínicas. No caso da esfera pública, esses diferenciais também resultam do envolvimento de municípios, estados e união na contratação do pessoal empregado na saúde, ressaltando-se que é justamente nas áreas metropolitanas das capitais brasileiras onde a presença do poder federal é mais intensa.

Mesmo apontando para uma agenda de estudos que permita uma compreensão mais aprofundada sobre o tema, a evolução de salários médios e jornadas deixam claro uma tendência de maior dispersão de renda no ramo, o que diferenciou ainda mais o cotidiano dos trabalhadores do sistema público e do mercado privado de saúde. Ainda, a proximidade entre as retrações, observadas nos salários por hora e nos valores auferidos mensalmente, sugere que as dificuldades para recomposição das perdas do poder aquisitivo contribuíram decisivamente para ampliar a precarização das condições de trabalho na área da saúde, principalmente no ramo privado. Coube às variações observadas nas jornadas, potencializar esta tendência.

Horas trabalhadas – O exame das horas médias trabalhadas no ramo aponta que, contrariando o que vem ocorrendo em vários outros segmentos de atividade, houve ampliação das jornadas de trabalho nos últimos dez anos na área da saúde. Este quadro resultou de movimentos diferenciados por região metropolitana e forma de inserção dos trabalhadores. Houve elevação de uma hora na jornada mensal dos empregados dos estabelecimentos privados da saúde em Recife, Salvador e São Paulo, enquanto na dos assalariados da rede pública em Recife, Belo Horizonte e Distrito Federal foram acrescidas, respectivamente, três, duas e uma horas. As reduções na extensão do tempo de trabalho ficaram limitadas aos empregados da esfera pública na Região Metropolitana de Porto Alegre (- 3 horas) e do setor privado em Belo Horizonte e Distrito Federal (- 1 hora).

No momento em que se debate a redução da jornada de trabalho no país, informações suplementares sobre o uso do tempo contribuem para demonstrar a sobrecarga que habitualmente recai sobre os ocupados na saúde, que muitas vezes buscam por meio da extensão do trabalho compensar a perda do poder aquisitivo do salário. Isto é notável no elevado número de trabalhadores da área de saúde que trabalham além do limite legal das 44 horas semanais. Na maioria das regiões, este indicador, em termos percentuais, ficou situado acima dos 20,0%, destacando-se as áreas metropolitanas de São Paulo e de Salvador, nas quais esta proporção alcançou 29,0% dos ocupados no setor em 2008. Na sequência, a região metropolitana de Recife é a que mais concentra trabalhadores no ramo da saúde com jornadas que excedem às 44 horas semanais (27,2%).

Os vínculos adicionais são outra modalidade de extensão do tempo trabalhado que se tornou usual no âmbito da saúde, na qual, muitas vezes, a uma jornada de 40 horas em um estabelecimento público ou privado é agregado um segundo compromisso laboral com o objetivo de complementar rendimento. Acompanhando a ampliação dos serviços de saúde, à exceção da Região Metropolitana de São Paulo, houve aumento no número desses ocupados em todas as demais regiões, destacando-se a elevação ocorrida em Belo Horizonte.

Destaques finais – Neste primeiro Boletim Trabalho na Saúde, que analisou informações coletadas entre 1998 e 2008 em domicílios das regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Paulo e no Distrito Federal, identificou-se que, acompanhando a consolidação do Sistema de Saúde do país, o contingente de trabalhadores na atividade cresceu. Esta expansão, porém, ocorreu desacompanhada da valorização dos trabalhadores que tiveram sua remuneração, em geral, diminuída, o que provocou a extensão do tempo trabalhado para parcela considerável dos ocupados do segmento. Além disso, houve aprofundamento das desigualdades entre os ocupados do ramo da saúde, especialmente ampliando as diferenças entre os assalariados das esferas pública e privada.

Neste contexto, merecem destaque os seguintes pontos:

. A ocupação no ramo da saúde cresceu expressivamente (44,4%) no conjunto das regiões pesquisadas pelo Sistema PED na última década, destacando-se as variações do contingente de ocupados nestes ramos de atividade nas Regiões Metropolitanas de Belo Horizonte e de Salvador, em 75,7% e 71,7%, respectivamente.
. No período analisado, entre os ocupados no segmento da saúde predominou o assalariamento formalizado, puxado fortemente tanto pela presença do poder público como de organizações privadas que absorvem força de trabalho, majoritariamente com contratos de emprego registrados em carteira de trabalho.
. O rendimento auferido por hora pelos assalariados do ramo da saúde decresceu em praticamente todas as regiões investigadas, exceção feita apenas à de Belo Horizonte, na qual foi registrada elevação de 1,2%. Nas demais regiões que experimentaram retração na remuneração desses empregados, destacou-se a queda ocorrida em São Paulo (-32,9%).
. A redução do valor real dos salários refletiu-se não só no aumento das jornadas médias semanais do ramo, como também no número de trabalhadores que possuem um trabalho adicional.

Fonte: Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde (CNTS)

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